Todos
já tentamos entender como perdemos a capacidade imaginativa da infância.
Visualizar aviões, dinossauros, tanques e navios nas peças de lego. Prender
três canetas numa régua e imaginar um avião.
Pular nos móveis imaginando que o chão da sala é lava incandescente. O
mundo é cheio de descobertas e possibilidades. As preocupações são poucas, e os
sonhos são muitos. Crescemos e perdemos esses superpoderes, não o de imaginar,
inventar, mas a visão de mundo da criança, quando o tempo ainda é nosso amigo e
não sabemos o significado de ser mortal. Por mais que se tente, na fase adulta,
essa visão de mundo nunca será a mesma, já estamos mergulhados em paradigmas e
nos milhares de preocupações do mundo adulto, as complicações que já existem,
antes de sonharmos existir. Ser criança é sonhar, ser adulto é perceber que o
sonho pode acabar. A criança tem uma sede de conhecimento, descobrir como algo
funciona, por que funciona, ficar admirado com o mundo mágico ao redor, era assim, mas, hoje, esse mundo mágico pode estar nos consoles de videogame e nos dispositivos móveis de última geração. Ser
adulto é perder aquela visão pura de mundo, passar a enxergar o mundo com os
filtros da percepção, estereotipados, rotulados e preconceituosos. Ao passar
para a fase adulta, somos banidos desse mundo de sonhos, dessa felicidade
contínua, para, anos depois, relembrar com saudades essa época da vida que
estávamos imunes ao sistema e pensar: “Eu era feliz e não sabia”. Não que não
soubesse, mas a felicidade era tão normal e diária que não havia outra situação
para ser comparada. A infância perfeita vai se dissolvendo na maturidade
imperfeita, lamentamos não poder mais enxergar o mundo daquela forma. É como
perder a visão da infância e tatear com as mãos da praticidade adulta ou como
se a vida adulta desbotasse as cores daquela realidade percebida pela criança.
Não se pode generalizar que toda criança é um ser puro e bondoso, que só diz a
verdade, algumas já carregam a semente da maldade e manifestam essa crueldade
na forma de bullying. Para quem já não é mais criança, o dia da criança, que já
passou, é o dia da saudade da infância, da simplicidade, da alegria, das
descobertas. Para quem teve a sorte de ter uma infância maravilhosa perfeita
(eu tive essa sorte), é lembrar que
existe uma criança dentro de nós, que nunca crescerá, o nome dessa criança é
recordação, lembrança. Se todas as crianças soubessem o que serão quando
crescer: “adultos que não enxergam mais o mundo igual as crianças enxergam”.
Elas responderiam à pergunta: “O que você vai ser, quando crescer”, com uma
resposta: “Um adulto que enxerga o mundo com os olhos de uma criança” ou
desejariam ser crianças para sempre. Muitos adultos se perguntam como aqueles dias
mágicos, intensos, divertidos transformaram-se em tédio existencial, repetição
enfadonha de uma existência vivida mecanicamente, ter que satisfazer
necessidades que foram criadas artificialmente, num mundo de aparências e artificialidades. Como as
brincadeiras transformaram-se em competitividade selvagem, jornada de trabalho
com pessoas falsas e horas de insatisfação. Como a ciranda cirandinha
transformou-se numa dança em volta da fogueira das vaidades e na dança das cadeiras do desemprego onde a música é a crise.
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